Trabalhar é crime
Estava
estranhamente feliz, vendo meu bairro como se fosse pela primeira vez, secando
os rostos que por mim passavam ligeiramente.
Finalmente
não estava em um ônibus lotado, cultivando ódio por pessoas fodidas como eu,
que sem querer acabavam por me socar como massa de pão.
Mas,
naquele dia estava satisfeita com a vida, pelas coisas simples...
Depois de
caminhar um pouco vi um carrinho com bonitos cachecóis, tinha meias e luvas
também. Enquanto olhava fui impedida de ver todos os produtos, pois num sopro as
coisas estavam sendo ensacadas violentamente.
No meio
das pessoas que se aglomeravam, vi no rosto de uma senhora preta o porquê.
As mãos
enrugadas, levadas à cabeça seguravam desesperadamente os cabelos. As lágrimas
umedeciam seu rosto chutado pelos sofrimentos. Preferi naquele momento que
continuasse seco.
-
Pelo amor de Deus não leva minhas coisinha não, é tudo que eu tenho!
Parei
para que os leões me comessem por dentro sem estardalhaço.
Meus
olhos boiavam inertes como dois mortos.
A brutalidade e injustiça racional em carne, osso e farda.
Os homens
agiam mecanicamente, e cheguei a desconfiar se eram mesmo humanos. Um com cara
de pedra segurava a mulher e respirava o ar de dever cumprido, o outro com
olhar obscuro guardava os pertences que mais tarde serviriam de presente para
seus amigos e familiares.
Minha
impossibilidade de agir, arrancou-me os braços. Minhas sacolas estavam no chão
assim como aquela mulher.
Angelina
Miranda
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